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Uso de tecnologia pelas crianças: é perigoso?

A gente sabe: pais, educadores e professores em geral são bombardeados rotineiramente com artigos que criticam o uso de telas pelas crianças. As supostas influências negativas do tempo de exposição às tecnologias como o celular, televisão e tablet vão do câncer (!) ao vício às telas e ao déficit de atenção. Pois é, o problema parece muito maior do que imaginávamos. Contudo, grande parte dessa preocupação é baseada em suposições sobre o uso de tecnologia pelas crianças, e não em evidências.

O uso de tecnologia pelas crianças: um outro olhar

Parece que todos os dias existe uma nova história de terror quando se trata do uso da tela – pessoas que não dormem, reféns da tecnologia, que não vêm a vida passar… Isso tudo é verdade. Porém, a consciência é o alicerce para não termos exageros. E eis o problema. A American Academy of Child & Psychiatry, dos Estados Unidos, estima que os jovens de 8 a 12 anos passam de 4 a 6 horas por dia utilizando tecnologias. Além disso, estimam que grande parte passa até 9 horas por dia olhando para alguma tela.

E olhe só o que tal academia considera como consequência do uso das telas:

  • Violência e comportamentos de risco
  • Vídeos de acrobacias ou desafios que podem inspirar comportamentos inseguros
  • Conteúdo sexual
  • Emprego de estereótipos negativos
  • Uso de substâncias ilegais
  • Cyberbullies
  • Publicidade direcionada ao seu filho
  • Informações enganosas ou imprecisas
  • Problemas de sono
  • Notas mais baixas na escola
  • Menos interesse por livros
  • Menos tempo com a família e os amigos
  • Atividade física ou ao ar livre insuficiente
  • Problemas de peso
  • Problemas de humor e auto-imagem
  • Medo de perdas
  • Menos tempo aprendendo outras maneiras de relaxar e se divertir

O outro lado da moeda: o equilíbrio

As telas às vezes são retratadas como intrinsecamente ruins, com o aumento do uso associado a maiores efeitos negativos. Felizmente, existem pesquisadores lutando contra o canto da ciência, argumentando que simplesmente não temos evidências de muitas dessas alegações.

A pesquisadora psicológica Amy Orben, em entrevista para o site BOLD, explica que existem muito poucos estudos sobre a questão de quanto de tela seria seguro. As pesquisas que existem não têm a qualidade necessária para responder aos tipos de perguntas em que estamos interessados.

Muitas vezes, os estudos sobre os quais lemos nas notícias baseiam-se em dados correlacionais: por exemplo, esse aumento no uso da tela está associado ao aumento da depressão em adolescentes. Essa associação pode ser verdadeira, mas o mecanismo por trás do link ainda não é conhecido. Simplificando, embora adolescentes deprimidos passem mais tempo na frente das telas, não podemos dizer que é o tempo na tela que causou a depressão.

Qual será o olhar para o uso de tecnologia pelas crianças amanhã?

Pressupostos sobre o tempo usado na tela e o que está substituindo podem estar alimentando nossos medos. Isso porque, quando pensamos no tempo da tela, podemos nos imaginar percorrendo as mídias sociais sem pensar, olhando fotos de gatos e jogando jogos viciantes. Porém, pais e professores estarão cientes de que o tempo de exibição também pode ser educativo e pode ajudar as crianças a desenvolver habilidades e conhecimentos. Na quarentena, por exemplo, essa foi a saída para continuar a educação dos filhos.

Particularmente para crianças muito pequenas, o envolvimento com um aplicativo pode ajudar a desenvolver algumas habilidades (por exemplo, habilidades motoras). As tecnologias podem permitir que as crianças mais velhas promovam amizades e desenvolvam habilidades sociais – mas, claro, isso não pode substituir as habilidades sociais corpo-a-corpo, digamos.

Também existe a suposição de que crianças (e outros usuários da tela) estão sentadas na frente de uma tela enquanto poderiam estar envolvidas em uma atividade mais enriquecedora ou ativa. Na realidade, as crianças podem estar usando telas enquanto viajam no carro ou no ônibus, por exemplo, onde outras atividades estimulantes seriam mais difíceis.

“As telas podem oferecer oportunidades de aprendizado e desenvolvimento, expondo as crianças a novos conceitos.”

E o sedentarismo?

Os links relatados entre o uso da tela e a falta de exercício físico não necessariamente significam que as crianças estão usando telas em vez de serem ativas. O link pode refletir diferenças individuais no prazer do exercício; se você é alguém que não gosta de se exercitar, talvez gaste seu tempo sentado, independentemente da tecnologia da tela. Atualmente, não sabemos a direção da causa e, na realidade, é provável que haja muitos fatores em jogo, cada um influenciando-se de maneiras complicadas.

Amy Orben argumenta que as conversas sobre o tempo da tela às vezes simplificam demais o que realmente significa o uso de tecnologia pelas crianças. A maioria de nós concorda que algumas formas de tempo de exibição não oferecem benefícios específicos – como por exemplo dar o celular para a criança no restaurante, ao invés de conversar com ela. Mas as telas podem oferecer oportunidades de aprendizado e desenvolvimento, expondo as crianças a novos conceitos, talvez exigindo novas habilidades, e proporcionando um ambiente divertido de aprendizado em locais que, de outra forma, carecem de estímulo.

E as evidências?

“Não há evidências de que as telas sejam inerentemente ruins e que grande parte do medo não provenha da ciência, mas de suposições e alarmantes.”, diz Amy Orben. Pois, lembre-se, até o ano 2000 essas tecnologias nem se passavam pela nossa cabeça. Nós não sabemos com segurança o que elas irão significar.

A falta de evidência não significa que devemos permitir que as crianças usem o celular o dia inteiro, mas sim que as diretrizes atuais sobre o uso diário ou semanal são bastante arbitrárias.

Sim, devemos considerar as preocupações reais relacionadas ao tempo de exibição, por exemplo, cyberbullying e outros tipos de assédio cibernético. Mas também devemos estar cientes de que não há evidências de que as telas sejam inerentemente ruins, e que grande parte do medo não vem da ciência, mas de suposições e ameaças.

Ou seja: ao invés de delimitar de acordo com “suposições”, priorize o tempo junto com seu filho sem o uso de tecnologias. Se ele já fez tudo o que tinha a fazer – brincou e se relacionou sem o uso de tecnologias – tudo bem dar a ele “um tempo” com o celular/video game/computador que você mesmo vai delimitar. Como já falamos aqui, o diálogo aberto é o melhor caminho.

Achamos até um podcast interessante sobre o assunto!